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Contos



Capetalismo:
O relógio, exato, sensato, quadrado, soa tic- tac, tic- tac...
Acorde! Você está com sono? Já é hora!
O que há? Boceja, rola, fica, está com defeito.
Café, guaraná em pó, bateria nova e vai funcionar.
Tic-tac, tic-tac...
Passe o cartão, seja pontual, sorria, produza.
Seja simpático, seja exato, seja criativo, não invente, se enquadre.
Tic-tac, tic-tac...
Hora do almoço. Passe o cartão, sente-se e coma.
Não mastigue muito, isso demora, tempo é dinheiro!
Você tem uma hora para ir ao banco, escovar os dentes, vá, vá!
Passe o cartão. Não esqueça, seja pontual. Muito bom, você merece!
Tic-tac, tic-tac...
Parabéns, os lucros estão subindo, os custos caindo, nos rostos paisagens.
Você pode ser promovido. Nada como se qualificar.
Oito horas no trabalho, quatro fazendo faculdade para crescer no trabalho, fins de semana idiomas para ter oportunidades no trabalho, no domingo tem um treinamento empresarial e não decepcione com as horas extras.
E esteja sempre saudável e feliz para trabalhar bem.
Tic-tac, tic-tac...
Que motivado! Vai aumentar seu salário.
Talvez você não consiga viajar, mas pode consumir bastante.
Compre ternos novos para usar na empresa, troque o carro.
Não, não pense assim... Queremos seu melhor na vida pessoal também.
Mande seus filhos para a Disney e se delicie com as fotos.
Tic-tac, tic-tac...
Você está cada vez mais evoluído. Suas sinapses tem precisão de uma máquina e o som do seu coração é controlado pelos números.
Olhe os ponteiros, veja bem, não é hora para isso!
Calma, calma! Está pirando! Tinha tanto futuro, funcionava tão bem!
Os chips não conectam mais. Olhe os ponteiros... E os ponteiros?
Será atestado, INVÁLIDO! Passou do prazo de validade.
Capitalismo brilhante! Que gente irrelevante!
Dispense, troque, traga uma peça nova para a engrenagem.


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Rita



O vento está forte e nele voam aqueles dourados cachos. Rita, febril meninice como de Dora de Jorge Amado. Caminha nas ruas da Central do Brasil em meio a moleques vadios e cheiros detestáveis que são amenizados pela fumaça de seu cigarro e seu perfume doce.
Equilibrando-se nos paralelepípedos com passos suaves e decididos ela não falseia.
Quem disse que ela se rende? Desprende-se dos fatos e prende em suas pernas os sonhos da noite no asfalto.
Quem a olhava nunca era livre de alguma sensação. Em alguns despertava lembranças da juventude magnífica que tiveram. Em outros, os desejos mais grosseiros ou amores noveleiros, ou nojo, raiva e até orações exorcistas. Sua imagem transitava entre deusa e o próprio demônio.
Os bares já estavam fechando e seus pés sobre o salto fino, desejantes de uma areia fofa. Mas precisava chegar a sua casa antes que o sol nascesse.
O ranger da porta era cuidadoso. Pães quentes colocara sobre a mesa e fora em direção ao chuveiro lavar sua alma. Arrancou os brincos compridos e colares. Limpou o vermelho de sua boca e desfez os olhos marcados.
A água descia como de uma cachoeira que limpava seu tronco como quem afasta espíritos de uma floresta. Às vezes, louca se sentia perdida em seus devaneios. Mas que importância faria? Louca era a sentença mais leve que recebera dos julgamentos alheios.
Mas o que farão os juízes? Trancarão todos os loucos até descobrirem que a cidade está vazia, como em O Alienista? Trancarão a si mesmos!
Como se toda escolha fosse livre! Como se toda liberdade fosse uma escolha!
Secou-se, vestiu-se e deitou-se ao lado do seu menino depois de dar-lhe um beijo na testa.
Depois de uma longa bocejada, ouvira – Bom dia mãe!
Sorriu como quem recebe uma recompensa divina e sem saber se dirigir a Deus, dedicou e Ele um suspiro.
- Vamos tomar café filho. Ainda sente muitas dores?
Naquele momento Rita se esquecia de suas próprias feridas, ou as ignorava.
Papearam por cerca de meia hora a mesa, Rita dormiu exausta.
Samuel, seu filho, quisera ter conversado mais, pois era um dia atípico em que se sentia mais disposto. Porém já havia se acostumado com as manhãs solitárias.
Samuel, nome bíblico e não por acaso. Como o filho que foi entregue a Deus, mas nesse não havia sobrado cabelos depois da quimioterapia. Não havia sobrado nada que pudesse oferecer.
Mas tinha sonhos de sobra! Olhava o céu da janela como se fosse Ícaro.
E poderia, quem sabe um dia, moldar suas asas. Talvez não pudesse se fosse só, mas não era.
Entre afazeres rotineiros, caia a tarde.
Rita resolvera dar-se um presente. Junto ao seu pequeno menino fizera um passeio ao Arpoador.
Pés descalços na areia, sentindo os finos grãos em suaves massagens. O som do mar acolhedor e imponente. Era o colo forte do qual ela podia se fazer frágil e se sentir tímida.
Ambos estavam com os olhos fitados na linha do horizonte. O Pôr-do-sol mostra-se como expressão de graça em um quadro avermelhado.
- Ainda que o sol derretesse minhas asas, quem dera as ter!
Mas o sol se vai Como Um Samba de Adeus.
Os sonhos do dia se repetem na noite de Samuel.
E Rita? Rita põe seu salto e do morro para o asfalto se dará em sacrifício.
Com olheiras disfarçadas e andar fatal incendiará a noite e junto com ela seus sonhos.
Mas quisera, mesmo, ela... Pintar a vida em uma Aquarela que um dia descolorirá.


Por: Vanessa Piuchi



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Um cidadão que sabe de cor as regras que os outros devem seguir.



Tico era um cara que gostava de papear. E se gabava entre uma cerveja e outra de seu bom caráter.
- Amigo, fico indignado quando vejo televisão. A corrupção está fora de controle! Um põe dinheiro na cueca, um põe no exterior, é por daqui, por dali e nosso dinheiro indo embora. Nós fica só com a pior! Não é Tião?
- É.
Tanto ladrão que devia ta na cadeia e sem advogado, sem visita íntima. Hoje não se encontra mais sujeito honesto como nós. Bom pai de família, bom amigo, bom filho e bom marido que trabalha e paga suas contas sem prejudicar ninguém. Difícil, né Tião?
-É!
- Ta vendo aquela moça ali? Mulher desonesta. Casou grávida e ainda dizem que o filho não é do marido. Depois o coitado descobre e ela ainda vai querer pensão. E o trouxa vai para a cadeia. Não se valoriza mais a pureza como antigamente. Se minha filha me desse esse desgosto... Deus me livre!
- É!
- Mas a família toda é assim, o irmão já fumou um baseado quando era mais novo e agora quer que todo mundo acredite que é trabalhador. Eu queria que fosse verdade, pois me compadeço, já que tenho filho. Mas sabe como é, pau que nasce torto...
- É.
- Olha essa notícia aqui no jornal. Estão querendo que as empresas contratem ex-presidiários. Não se pode dar mole para bandido! Quem fez uma vez, vai fazer de novo. Por isso que as coisas estão assim, é fácil ser desonesto e sempre arrumam uma maneira de incluir o cara outra vez no meio dos honestos. Quem ta atendendo a gente pode ser um bandido e a gente nem sabe. Você não acha Tião?
- É.
- Lá no meu trabalho tem um cara que queria adotar essa moda. Ele queria contratar ex-detento. Acho que ele tem o rabo preso. Um cara todo tatuado e com brinco no mamilo não deve ser boa coisa. Onde vamos parar?
Com tanta coisa ruim, ficar papeando até deixa triste. Acho melhor largar essa lagrimeira. Deus que cuide desses. Mas eu tava pensando, Tião, em dar uma esticadinha depois do bar. Eu to meio sem dinheiro, mas recebi um belo troco a mais na padaria. A patroa vai dormir cedo e a gente pode passar lá na Augusta para relaxar... você sabe como é. – Amanhã é terça, mas a gente consegue um atestado de gripe com aquele nosso amigo médico. Afinal, Tião... um cidadão de bem merece lazer.









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