Lendo um livro e me deliciando com as idéias de um personagem me deparei com sua afirmação: “Acredito que um dia a ciência inventará seres artificiais.” Há quem acredite que os robôs são só uma prefiguração de seres quase reais que nos substituirão. Bruce Willis protagonizou um filme com essa temática. Chama-se O Substituto. No enredo, as pessoas reais ficam em suas casas controlando mentalmente os seus manequins que trabalham, estudam, e conhecem o mundo em seu lugar.
Pergunto-me o quanto é ingênuo achar que isso é uma projeção de futuro. Hoje, sem tais tecnologias fantasiadas nos filmes e livros, vivemos como esses seres artificiais.
Quem se aventura a ser quem é, de fato, em qualquer lugar e com qualquer pessoa? O trabalho, a igreja, a família, as instituições como um todo, nos moldam para a pacífica opacidade. Devemos ser humanos nos nossos deveres, mas nunca tão humanos em nossas necessidades e devaneios.
A religião judaico-cristã tem nos tirado o direito a sexualidade, a dor, a dúvida. O capital tem nos tirado o direito ao prazer, ao questionamento... Até a família tem sua parcela. Somos ensinados, provados e punidos. Como dizia Foucault, a família é um tribunal quando pune a violação das regras com exacerbada coerção.
Será que não sabemos viver bem se não formos modulados o tempo inteiro pelo sistema vigente? Será que Freud tinha razão quando dizia que a humanidade se destruiria se estivesse entregue as suas próprias paixões?
Será que acreditamos tanto no nosso instinto mau e por isso o castramos o tempo todo?
Tornamo-nos seres artificiais por medo do que possa existir de mais natural dentro de nós, ou por medo do julgamento alheio.
A sociedade robotizada jaz aqui em carne e osso. Nosso superego é legítimo e institucionalizado, como um teto de quietude, juízo, segurança e frieza sobre nós. Teto que nos protege, e ao menor sinal de tremor, pode nos esmagar.
Em contrapartida eu insisto na única idéia que me parece ter sentido. Cadê o olhar positivo para a humanidade? A crença na potencialidade do homem como capaz de ser livre? Parece quem nem o próprio homem acredita nisso.
Será capaz, um dia, a humanidade de reconhecer-se humana? De aceitar a humanidade do outro sem máscaras e julgamentos?
Eu, como Ícaro, prefiro derreter minhas próprias asas, mas arriscar-me a conhecer esse mundo distante.
Dentro da nossa cultura “econômico-consumista”, utilizamos o PIB (Produto Interno Bruto) como indicador de desenvolvimento de uma região. Ele exprime o valor da produção realizada em uma região num período específico. Para se chegar ao resultado do PIB é considerado o consumo, o total de investimentos realizados, os gastos governamentais e o volume de exportações e importações. É essa conta que tem indicado o progresso no nosso e em outros países, os bens e serviços vendidos e comprados. O bem estar das pessoas, o crescimento intelectual, a qualidade de vida não é considerada ao medir o progresso. Inclusive não se considera que o crescimento econômico pode ter impactos desastrosos na vida das pessoas e do planeta. Em reação a esse “economicocentrismo”, surgiu o conceito de FIB, Felicidade Interna Bruta. Essa idéia surgiu num pequeno país chamado Butão, através de um rei visionário. O FIB é a soma dos valores culturais, promovendo a integridade das pessoas, com o bem estar físico, psicológico e espiritual equilibrado com a economia e o meio ambiente. É avaliado o grau de satisfação dos indivíduos com sua vida, auto-estima, estresse, saúde, nutrição, etc. O país, não tão famoso, que direcionou seu olhar para o ser humano, tem uma economia crescente e uma elevada qualidade de vida. 52% dos butaneses declararam ser felizes e 45% muito felizes. Teríamos esse resultado no Brasil? Temos um funcionamento que esmaga pessoas por cédulas de cem, nos setores públicos e privados. Nossa idéia de sucesso pessoal e profissional é expressada em um programa de TV, onde as pessoas são demitidas e humilhadas se não correspondem a altura a máquina do capital. Matamos aos poucos a vida no planeta, inclusive a nossa. O PNUD (programa das nações unidas para o desenvolvimento) apóia projetos que visam levar o FIB ao mundo. Sabendo que a mudança é lenta e difícil, insisto eu no discurso como um leve sopro que aos poucos muda o vento de direção.