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sexta-feira, 5 de março de 2010

A mulher e o imaginário brasileiro: Houve mudanças?


Ao lermos um artigo, ou assistirmos qualquer discussão sobre mulher e sociedade, nos vemos comemorando a conquista de direitos básicos, festejando a liberdade que alcançamos ou que nos deixaram alcançar.

De um lado temos as orgulhosas mulheres que se gloriam de seu direito de votar e trabalhar, de outro, um movimento “mulher macho” que busca incessantemente pelo poder perene de dominação. Uns defendem a posição de sexo frágil, outros de sexo forte, havendo uma guerra a fio entre submissão, vitimização e super-valorização insanas do sexo feminino.

Afinal, onde isso nos levará? O que realmente mudou?

Aqui, não pretendo adotar uma posição extremista ou uma manifestação simbólica que venera as chamas que inflamaram os sutiãs há algum tempo atrás, muito menos reforçar a lógica machista que tem violado os gritos pela igualdade. Mas, refletirei sobre as dinâmicas que ocorreram sobre o tema, se houve mudança de mentalidade ou apenas modernização da velha maneira de pensar. Minha discussão focará na realidade brasileira.

Antes, como sabemos, o funcionamento social era planejado para o homem. As regras religiosas, os direitos e decisões não cabiam á mulher.

Antes da declaração dos direitos humanos, na Europa, se escreveu um tratado de direitos do homem, onde eram excluídas as crianças, os deficientes físicos e mentais e a mulher (todos considerados incapazes). Nesse período, Olympede Gouges publicou a Declaração dos Direitos da Mulher, ela reivindicava os mesmos direitos dos homens e terminou decapitada.

Conhecemos alguns reflexos dessas ações. Éramos privadas de qualquer direito cívico, do conhecimento acadêmico, do ingresso no mercado de trabalho e também de qualquer decisão familiar, liberdade sexual, além de alvo das repressões religiosas.

Com a declaração dos direitos humanos, documentou-se uma almejada mudança, “Considerando que, na Carta, os povos das Nações Unidas proclamam, de novo, a sua fé nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres e se declararam resolvidos a favorecer o progresso social e a instaurar melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla” (Preâmbulo dos direito humanos universais)

Consideremos que mesmo com avanço proposto, a cultura de um povo é o que se movimenta de maneira mais lenta dentro do mesmo. Direitos cívicos conquistados, pelo menos documentados, e, a passos de tartaruga, direitos de fato, credibilidade.

Se fizermos uma comparação tosca com o passado, nos vangloriaremos dos louros colhidos. Afinal, hoje temos leis que nos protegem da violência. Hoje muitas de nós não somos mais criadas para pilotar fogão, casar e procriar, nós temos reconhecidas nossas expressões sexuais e nem por isso somos condenadas aos prostíbulos.

Vamos entender esse “avanço”. Lembra da velha máquina de costura da sua avó (porque seu avô, provavelmente não costurava)? Ela fazia barras, pregava botões, fazia vestidos, calças e trapos. Sua avó tinha que forçar sua velha e cansada perna sobre os pedais, onde adquiria um vasinho roxo a cada roupa nova. Além de tenaz, tinha que ser habilidosa com as mãos, para que o pano não escapasse da agulha e não entortasse o trabalho. Depois do fatigante labor, se tinha o vestido novinho em folha.

Hoje, podemos entrar em um ateliê de costura e observar os estilistas e alfaiates em suas luxuosas máquinas de costura. Basta um toque e tudo vai para o lugar certo. Estão prontos os modelitos. Houve avanço tecnológico, inventores se esforçaram para trazer facilidade e produtividade. Mas para que serve a nova máquina de costura? Para fazer os mesmos velhos vestidos. Talvez com um corte da moda, mas são os mesmos vestidos.

Vemos hoje, uma contradição entre idéias futuristas e objetivos oblíquos. Somo seres modernos em busca do mesmo.

Se antes, a mulher sexual era uma prostituta, hoje é um objeto de consumo da sociedade. A mídia retrata com louvor a nossa “evoluída mentalidade”.

Nos comerciais de cerveja, temos o homem consumista, o que compra, que relaxa após o duro trabalho. E o produto está exposto, uma cerveja gelada e uma loura seminua. No “bar da boa” tudo está para o prazer masculino.

Num campeonato de vôlei masculino, a bola é o foco da câmera, enquanto no feminino, os shorts roubam a cena.

Além disso a mulher intelectual e de carreira promissora não substituiu a responsável única pelo lar. Você deve saber de cor e salteado o chavão das propagandas de sabão em pó e eletrodomésticos que dizem: “para você mulher que cuida da casa, do marido e ainda trabalha...” Ou “A marca da multi-mulher”.

E as pesquisas que tentam provar que a traição tem fator genético e os homens não podem controlar? Isso é intrínseco no senso comum, aposto que todos nós ouvimos alguma mulher traída dizer: “Ele é homem, safada é a outra!”

Ou seja, o homem ainda é livre para se entregar aos seus impulsos, ainda que estes desrespeitem alguém, enquanto a mulher ainda é a responsável pela fidelidade – E estamos no século XXI.

Porque só existem anticoncepcionais (pílulas) para mulheres? Será que a ciência ainda não é capaz de desenvolver uma pílula masculina, ou ela não seria rentável, já que a contraconcepção é vista como um dever feminino.

Prova disso são os programas de combate à gravidez na adolescência, que em maioria esmagadora são voltadas apenas as mulheres.

Nós mulheres ainda não abrimos mão dos nossos antigos papéis para compartilhá-los. Parece que esses nos dão uma sensação de conforto.

Até hoje ouço pessoas que acreditam que os homens têm mais habilidade para dirigir. Provavelmente não leram sobre os índices de acidente no trânsito.

Anos de repressão tem afastado as mulheres do gozo pleno de seus desejos, direitos e habilidades. A casa e a educação dos filhos não são vistos ainda como responsabilidade do casal. De modo geral, se reproduzem os antigos costumes. E essa descrição que faço se refere às grandes metrópoles, imagine o que encontraremos no interior do país.

Essa representação simbólica do sexo feminino é de difícil mudança, considerando que algumas estruturas mais concretas de exercício de direito ainda não foram cumpridas. Que dirá o campo das idéias?

Sexo frágil? Diria que frágil, não, fragilizado, sim. Pois toda minoria que é dominada pela parte do poder, tende a se enfraquecer, assim é com a pobreza e com outras partes desfavorecidas.

Reconhecemos a mulher pela sua intuição, sua sensibilidade e expressão das emoções. É verdade que temos tais características. Pois enquanto éramos impedidas de pensar, os homens eram impedidos de sentir, qualquer expressão de emoção ou delicadeza masculina era tratada de forma pejorativa. Isso trouxe prejuízo nos relacionamentos, para ambos os sexos.

Culparemos os homens por essa dinâmica social? Todos nós estamos presos a pensamentos retrógrados que nos impedem de avançar de forma significante.

Hoje já vemos algumas mudanças no que diz respeito às características típicas femininas e masculinas, está começando a nascer uma plasticidade, devido á maior tolerância.

Acredito que avançaremos quando pudermos compartilhar plenamente dos sentimentos e idéias concernentes aos seres humanos sem restrições de gênero.

Enquanto formarmos movimentos rebeldes ou, no outro extremo, nos submetermos, nunca entenderemos o significado pleno de igualdade.

Não precisaríamos de leis de proteção a mulher que apanha do homem se dispuséssemos de leis efetivas contra qualquer tipo de violência. Claro que na nossa realidade de hoje, tais leis tem efeito positivo, elas servem à nossa cultura. Havendo mudança de cultura, não serão mais necessárias.

Aliás, em nosso país, somos inclinados a leis de reparação. Acredita-se que anos de desigualdade são compensados promovendo uma desigualdade invertida. Ou seja, se mulheres e negros foram injustiçados, devem ter mais direitos que os outros. O que é uma grande ilusão.

Para exigir respeito é necessário que se tenha convicção de seu papel no mundo, caso contrário, nascerão vários movimentos sociais que apontam para alvos diferentes e o único porto seguro será a velha tradição.

E será que estamos dispostos a abrir mão dos velhos costumes que criticamos?




Por Vanessa Piuchi

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